Um dos mais reputados criadores visuais para o mundo musical estará em Portugal no próximo mês de Abril. Jonh Minton é o responsável pelos elementos visuais encontrados nos concertos dos Portishead e tem colaborado com músicos como Robert Plant, A Hawk and a Hacksaw, Gonga e editoras como Stones Throw, Leaf e Invada. O seu workshop tem uma fórmula muito especial: em ambiente criativo, os participantes irão participar na criação de elementos visuais para o álbum "Titans" da banda portuguesa Black Bombaim.
O workshop - "Visualising Titans" - fará, assim, uma ligação entre o cinema experimental, a live performance e a criação de vídeos para músicas específicas. A criação resultante será exibida no próximo Curtas Vila do Conde e poderá também seguir um caminho autónomo como filmes curtos.
Sobre os Black Bombaim e "Titans"
Black Bombaim e a psicadelia
(por Rui Eduardo Paes)
A rotulação da criatividade musical tem muito que se lhe diga, e o certo é que, regra geral, os músicos são avessos ao ímpeto catalogador tanto dos executivos da indústria como, cada vez com maiores responsabilidades nesse âmbito, os críticos que não resistem a arrumar as propostas existentes em pacotes herméticos. A profusão de rótulos e sub-rótulos chega a tomar proporções absurdas, mas até conseguimos compreender as lógicas aplicadas, o que não significa que tenhamos de as aceitar.
Quando a designação “stoner rock” foi cunhada, na década de 1990, percebeu-se a intenção de distinguir este segmento daquilo a que se chamava “psychedelic rock”, ou simplesmente “psych rock”. Enquanto este termo dizia respeito a uma tendência do rock desenvolvida entre os anos 1960 e 70 com um carácter generalista que englobou tanto a produção norte-americana como a europeia, o de “stoner rock” identificou um revivalismo especificamente americano, com a particularidade de, dentro desta categoria, se classificar como “desert rock” aquele que emergiu na Califórnia. O rock do deserto estabeleceu, inclusive, a matriz estilística desta frente de acção.
Como não podia deixar de ser, depressa o dito stoner rock ultrapassou as fronteiras dos Estados Unidos, tendo alguns importantes grupos surgido no Velho Continente – entre eles os portugueses Black Bombaim. E ainda que estas formações adoptassem o modelo “yankee”, a tentativa de territorialização “stoner” foi colocada em causa pela própria geodistribuição que o fenómeno foi tendo. Seja como for, já as premissas eram demasiado frágeis. Sabendo quais são as principais referências históricas deste novo psicadelismo rock de que se deixou cair o nome original – Hawkwind, Black Sabbath, Cream e Pink Floyd –, verificamos que todas estas bandas são provenientes do Reino Unido. O americanismo do stoner rock é, pois, um artifício.
Mas a questão é ainda mais profunda, e deriva de um equívoco: apresentar um determinado tipo de rock como “pedrado” não é defini-lo como “psicadélico”. No primeiro caso tal implicaria da parte de um grupo que assim se considerasse a mesma autodenúncia que o psicólogo Timothy Leary recusou nos vários processos judiciais a que foi sujeito devido ao seu estudo das propriedades do LSD, argumentando que tal violaria a 5º Emenda da Constituição Americana e conseguindo que os juízos decidissem pela inconstitucionalidade das acusações que lhe eram feitas. Isso até que as autoridades arranjaram outras maneiras de o colocar atrás das grades, o que lhe aconteceu por diversas vezes. A psicadelia sustenta-se na expressão de estados alterados de consciência, enquanto a condição “stoner” implica uma acção, a de tomar drogas. Duas coisas bem diferentes, portanto…
São estratégias artísticas o simbolismo, a metáfora, a caricatura e até a mimese, mas nunca com o propósito de produzir sucedâneos da realidade. Esta e a arte habitam em mundos apartados; assim não fosse e a última não se teria distinguido dos rituais mágicos das primitivas comunidades humanas. Quando os Royal Trux, que não eram propriamente psicadélicos, acharam por bem gravar sob o efeito de diferentes psicotrópicos, não conseguiram mais do que comprovar duas limitações: 1) a de que não é possível tocar com um mínimo de competência enquanto se está numa “trip” e 2) a de que a música não é uma arte representacional, muito ao contrário da pintura e da escultura.
Acontece que este mal-entendido está enraizado no entendimento geral daquilo a que já se chamou “esquizofrenia experimental”, ou seja, a vivenciação de outros modos perceptivos através de recursos que podem ir desde a privação do sono até à ingestão de peyotl (cacto mexicano que apaixonou quem até não precisava dele, por já ser portador de disfunção psíquica: o poeta, dramaturgo e encenador Antonin Artaud), passando pelo uso do chá ou do café, que o escritor Ernst Junger incluiu nos seus testes neurológicos pessoais, designando um como “phantasticum” e o outro como “energeticum”. O certo é que data das primeiras décadas do século XX o apreço dos artistas de vanguarda (Dada, futuristas, surrealistas…) pela loucura, desde então tomando-se a demência como o grande paradigma da criação artística – passou-se do homo sapiens para um novo estádio de evolução ainda não reconhecido cientificamente, o do homo sapiens demens.
Filósofo empenhado em recuperar o antigo xamanismo,Terence McKenna é um exemplo desse engano. Pode este ter advogado que «o futuro será psicadélico, pois pertence à mente», identificando nas nossas potenciadas faculdades mentais a expansão sensorial e analítica trazida pelo psicadelismo, mas nem isso evitou que caísse na armadilha animista, centrando as suas reflexões no cogumelo Stropharia cubensis. Dizia ele que este é um simbiote de origem extraterrestre que chega à Terra por meio da dispersão galáctica dos seus esporos, com o exclusivo propósito de servir a humanidade. O cogumelo encerra um espírito e é este, e não a mente, que constitui no seu entender a chave para o anunciado trans-humanismo futurista. Assim, McKenna está, como o stoner rock, do lado da droga (isto é, da “techné”), enquanto o psicadelismo (ou a “psiché”) lida directamente com o cérebro, ou o mesmo é dizer, com o imenso campo de possibilidades que encerra.
Pesquisadores das operações sinápticas como Charles Baudelaire, Aldous Huxley, Walter Benjamin e os já aludidos Antonin Artaud, Ernst Junger e Timothy Leary foram igualmente ambíguos sobre os «arquipélagos que estão para além dos mares navegáveis» (segundo Albert Hoffmann, o inventor do Lysergsäurediethylamid). Entre a fruição providenciadora de elementos que caibam na «esfera estética» (ainda Hoffmann, muito influenciado pelas interpretações de Junger) e a que não é criativamente dirigida, a dos “junkies”, todos eles salientaram as virtudes da primeira e os perigos da segunda, mas todos eles também se deixaram fascinar pelo factor instrumental, a substância dopante. Mesmo quando, como no caso de Benjamin com o haxixe, ficaram frustrados com a sua busca de desvelamento.
Situado habitualmente nos domínios do stoner rock, em minha opinião o projecto Black Bombaim tem a mais-valia, isso sim, de ser uma feliz manifestação psicadélica. A esse nível, justifica-se plenamente o título “Titans”, pois trata-se de um feito a que poucos chegaram. A música do trio – neste álbum com uma série de convidados especiais que parecem ter sido escolhidos pelo que representam, como Steve MacKay, da banda proto-punk Stooges, e Adolfo Luxúria Canibal, dos roqueiros “arty” Mão Morta – fala-nos da viagem, não do combustível utilizado para a realizar. Este é um âmbito, de resto, a que nunca somos conduzidos durante a audição dos quatro longos temas: simplesmente, não interessa se estas explorações psíquicas foram propiciadas a mescalina, álcool, noz-moscada ou uma grande dose de inventividade e delírio operada pelos normais químicos do organismo. O que importa é o percurso imaginante feito pelos músicos e depois por quem ouve.
Escreveu Benoît Goetz, no seu desafio a constituir-se uma «filosofia da droga», que pela experiência psicadélica o espírito torna-se mais claro, mais evidente, processando-se como que uma «revelação espiritual». Na sua perspectiva, esta é, no entanto, «uma revelação sem revelação», pois a psique não é susceptível de se apresentar como tal, mas apenas como «uma abertura pela qual o sujeito se dissipa e evapora». A alucinação tem como condição a perda do eu, a dissolução, a experimentação do vazio. É verdade, mas este pensador não tira todas as ilações devidas desta constatação. A psicadelia não é aquilo que Goetz afirma ser. O acto psicadélico não está no estado alucinogénio, mas na sua encenação. Só a arte (a música, no caso vertente) é psicadélica, e é isso o que os Black Bombaim magnificamente nos oferecem.